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As mulheres na agricultura e a certificação

06/07/2012

 

Relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) tem destacado a
importância das mulheres para se alcançar a sustentabilidade na
agropecuária. O relatório Food and Agriculture: The future of
sustainability, lançado no mês de junho pela Divisão de Desenvolvimento
Sustentável da ONU, concluiu, entre diversas outras questões, que as
mulheres agricultoras deveriam ser a prioridade para investimentos na
agropecuária mundial.




No ano passado, o relatório anual do Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH), publicado pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), tratou da equidade e desenvolvimento sustentável
e também destacou o papel fundamental das mulheres para as mudanças no
campo rumo ao paradigma da sustentabilidade.


Mas a equidade de
gênero no campo ainda está aquém do desejável. Recentemente, uma equipe
do Imaflora encontrou uma situação preocupante durante uma auditoria de
certificação agrícola do sistema da Rede de Agricultura
Sustentável/Rainforest Alliance Certified. Tratava-se de uma fazenda no
centro-sul do País, considerada uma das regiões em que se pratica uma
agricultura moderna e há um nível elevado de governança. Pois a nossa
equipe identificou que trabalhadoras e trabalhadores rurais contratados
para a mesma função recebiam salários diferentes. Óbvia e infelizmente,
as mulheres recebiam menos que os homens.


Os administradores da
fazenda conheciam a situação e tentaram justificá-la. Os auditores
procuraram o dono do empreendimento, que desconhecia o fato e ficou
surpreso e constrangido com as evidências mostradas.


Para o
processo de certificação deste sistema, a situação impede a aprovação da
fazenda, pois as normas de auditoria possuem um critério que trata da
discriminação de trabalhadores, seja por gênero, etnia, raça, idade,
religião. Este critério é crítico, isto é, a fazenda não pode ser
certificada se ele não for cumprido integralmente.


Os critérios
não críticos podem ser melhorados progressivamente, desde que o
desempenho geral da fazenda frente às normas seja de 80%. Logo, a
situação terá de ser resolvida imediatamente, para que o empreendimento
conquiste a certificação. Este é um exemplo do tipo de impacto da
certificação para as mulheres, mas há outras questões de gênero a serem
consideradas em sistemas de certificação.

Por exemplo, esta
situação foi encontrada por uma equipe de auditores composta por um
homem e uma mulher. Em geral, as auditoras têm mais sensibilidade para
identificar e investigar este tipo de situação. A Rede de Agricultura
Sustentável está para aprovar uma política de treinamento de auditores
que determina que organismos de certificação devem ter mulheres em seus
quadros de auditores. Isto deve garantir que as trabalhadoras ou
mulheres de trabalhadores ou de comunidades impactadas por
empreendimentos certificados possam participar da auditoria.
Frequentemente, as mulheres não ficam à vontade para se comunicar com
auditores homens.


A experiência do Imaflora de ter mulheres
auditoras frequentemente em nossas equipes também tem nos mostrado um
outro impacto positivo na relação entre homens e mulheres. Em diversas
situações, as mulheres (geralmente jovens) atuam como líderes de
auditoria. Nesta condição, além de liderar os auditores homens, elas são
o contato da certificadora com o responsável pela fazenda, seja o
administrador, dono ou diretor da empresa. Muito comumente é um homem
(mais velho), acostumado a se relacionar com homens, num meio
tradicionalmente machista e onde as mulheres não fazem parte da tomada
de decisão.

O empoderamento das mulheres nos processos de
auditoria tem causado o crescimento profissional e pessoal dessas
pessoas. Do outro lado, o mundo rural masculino passa a ter de
reconhecer a autoridade de um ator social que não costuma tratar como
igual  a mulher.


Portanto, as normas e políticas dos sistemas de
certificação devem incorporar a dimensão de equidade, e explicitamente
de gênero. De maneira geral, estes ainda são tratados de forma
superficial, mas os exemplos demonstram que pequenas coisas já fazem
diferença. E precisamos de estudos medindo os efeitos da certificação
sobre as mulheres e minorias, para poder melhorar os sistemas.


Para
aprofundar o nosso entendimento sobre o assunto, em 2010 coordenamos
uma avaliação do impacto da certificação para mulheres. O estudo foi
feito de maneira independente pela organização não governamental Rede
Mulher, em fazendas de cacau no sul da Bahia. Embora tenha sido uma
avaliação pontual e pouco profunda, foi possível identificar algumas
tendências sobre o efeito da certificação nas mulheres trabalhadoras
rurais e residentes de fazendas certificadas.


O estudo apontou que
apesar de não ter havido maior empoderamento para as mulheres dentro da
cadeia produtiva do cacau, foram percebidas melhorias relacionadas ao
acesso à água encanada, à saúde, possibilidades de estudo e acesso à
informação. Ainda, de acordo com o estudo, não foram apenas as mulheres
que ganharam com a certificação, mas homens e crianças também são
beneficiados com as melhorias causadas pela implementação das normas de
certificação, por terem melhores condições de segurança no trabalho e de
saúde para todos.


Estas conclusões preliminares precisam ser
testadas de maneira mais abrangente em outras regiões, cadeias
produtivas e contextos socioeconômicos para alimentar a revisão das
normas e políticas de sistemas de certificação, para que mudanças em
direção à equidade (não somente, mas inclusive a de gênero) sejam
alcançadas no campo.

Luís Fernando Guedes Pinto
possui graduação em Agronomia pela Universidade de São Paulo (USP),
mestrado em Ciências da Engenharia Ambiental (USP) e doutorado em
Fitotecnia (USP), com atividades no Icraf Sudeste da Ásia. Trabalha no
Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora). É
professor colaborador do Mestrado Profissionalizante da Escola Superior
de Conservação Ambiental e Sustentabilidade e foi Pesquisador Associado
do Oxford Centre of Tropical Forests, do Environmental Change Institute,
da Universidade de Oxford.

FONTE: PORTAL TERRA - SUSTENTABILIDADE
As mulheres na agricultura e a certificação