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COP27: Brasil está se distanciando das metas da Política Nacional sobre Mudança do Clima e do Acordo de Paris

10/11/2022

Autor(a): Imaflora

Redução do desmatamento e da emissão de metano na atmosfera são os principais desafios do país até 2030

O Brasil vem aumentando suas emissões de gases de efeito estufa (GEE), ao invés de reduzi-las para cumprir as metas propostas no Acordo de Paris. Os dados – que foram apresentados na quarta-feira (9), no espaço Brazil Climate Action Hub da Cop 27 – indicam que as emissões líquidas avançaram 21,4% nos últimos sete anos, saltando de 1.446 milhões de toneladas (MtCO2e) em 2015 para 1.756 MtCO2e em 2021. A meta é que o Brasil chegue a 2025 emitindo 1.614 MtCO2e e a 2030 com 1.281 MtCO2e.

“O nosso compromisso em relação à Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) era reduzir entre 36-38% das emissões em 2020 em relação à projeção que foi realizada em 2010. Isso dava uma meta bem alta de, no máximo, 2.068 MtCO2e (GWP-AR2) em 2020, mas ficamos na marca. No entanto, em 2021, as nossas emissões foram bem maiores do que a nossa meta de 2020. Nós simplesmente ‘estouramos’ a meta do PNMC”, ressaltou Tasso Azevedo, coordenador do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases do Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima.

Já em relação ao Acordo de Paris, Azevedo pontuou que o país terá que reduzir 37% das suas emissões líquidas em 2025, e 50% até 2030 em relação a 2005. Isso representa uma meta de emitir, no máximo, 1.614 MtCO2e em 2025, e 1.281 MtCO2e em 2030.

“Hoje estamos em 1.756 MtCO2e (GWP-AR5), tendo que chegar em 1.614 MtCO2e em 2025, ou seja, neste momento o Brasil está se distanciando da meta de 2025. E para 2030 estamos mais distantes ainda, com quase 500 MtCO2e a mais do que devemos alcançar. Isso significa que precisamos fazer um esforço importante agora para conseguir chegar em 2030 com 1.3 bilhões de toneladas”, alertou o coordenador do SEEG.

Para alcançar as metas acordadas, os principais desafios do país – de acordo com os especialistas presentes na apresentação – serão reduzir o desmatamento e as emissões de metano (CH4) na atmosfera, além de aplicar as técnicas de agricultura de baixo carbono.

“Pela primeira vez, observamos uma leve queda na emissão no setor de resíduos, o que é um indicativo de uma implantação de política de saneamento em progresso, principalmente com a recuperação de metano dos aterros sanitários. E isso indica que estamos consolidando essa visão de que os resíduos de metano são uma boa alternativa de recursos, aproveitando o gás para gerar energia e evitar a sua liberação direta na atmosfera”, comemorou o gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), David Tsai.

A diretora-executiva do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), Marina Piatto, e a diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Ane Alencar, também participaram do debate “A década perdida das emissões brasileiras: o que revelam dez anos de estimativas anuais feitas pela sociedade civil”. O debate está disponível no link: https://www.brazilclimatehub.org/a-decada-perdida-das-emissoes-brasileiras-o-que-revelam-10-anos-de-estimativas-anuais-feitas-pela-sociedade-civil-v/.

Brasil é o 5º país maior emissor de gases de efeito estufa do mundo

Em 2021, as emissões brutas brasileiras alcançaram 2,4 giga (bilhões) de toneladas de carbono equivalente. Quando são descontadas as remoções, empregando as regras utilizadas pelo Brasil, o valor vai para 1,8 bilhões de toneladas de CO2e (dióxido de carbono equivalente). “Praticamente metade das nossas emissões vêm de mudanças de uso da terra, onde obviamente o destaque é o desmatamento. O segundo setor que mais emite CO2e é a agropecuária, seguido pelo setor de energia, pelos processos industriais e, por fim, pelo segmento de resíduos. Tudo o que está relacionado com o uso da terra, que é a mudança do uso da terra e a agropecuária, responde por quase 75%, ou seja, três quartos das nossas emissões”, explicou Azevedo. Historicamente, o uso da terra foi o principal responsável pelas emissões de gases de efeito estufa no Brasil.

Esse cenário faz do Brasil o quinto país maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, depois da China, dos Estados Unidos, da Índia e da Rússia. A diferença, pontuou Azevedo, é que nos demais países citados, três quartos das emissões estão relacionadas à queima de combustíveis fósseis.

Na comparação das emissões de 2020 para 2021, o Brasil teve um aumento de 12% nas emissões, o que é bastante preocupante entre os especialistas. E dentro desse cenário, um dos pontos que mais chama a atenção é o aumento dessas emissões ter acontecido em praticamente todos os setores, exceto no tratamento de resíduos, neste caso, pela primeira vez na história do país.

Os aumentos na emissão de GEE aconteceram na agropecuária (3,8%), nos processos industriais (8%), na energia (12%) e nas mudanças do uso da terra devido, principalmente, ao desmatamento (18%). “Atualmente, as emissões brutas (sem considerar remoções) per capita no Brasil são de 11 toneladas por habitante. Em termos de emissões líquidas (descontando as remoções), são oito toneladas por habitante, valor maior do que a média global – de 6,7 toneladas por habitante. Estamos no mesmo nível que a China, metade dos Estados Unidos e o dobro da Índia”, contextualizou Azevedo.

Estados que mais contribuem com as emissões do Brasil 

O país apresenta condições muito diferentes em relação às emissões de gases de efeito estufa nos estados. Neste ranking, o Pará é o primeiro na lista, especialmente por conta de mudanças do uso da terra. Mato Grosso aparece em segundo pelo mesmo motivo e Minas Gerais, em terceiro.

Já quando a mudança do uso da terra é retirada da análise, o panorama muda: São Paulo passa a ser o estado que mais emite GEE, especialmente devido ao setor de energia, seguido por Minas Gerais, Mato Grosso (agropecuária), Rio Grande do Sul, Goiás, Rio de Janeiro e apenas depois aparece o estado do Pará. “Outra curiosidade é que quando aplicamos a regra brasileira para considerar as remoções, os estados do Amazonas e do Amapá têm emissões líquidas negativas devido ao grande número de áreas protegidas lá existentes”, diz Tasso.

Como apresentado anteriormente, a média de emissão per capita do Brasil é de 11 toneladas por habitante. No entanto, observa-se uma imensa diversidade de fatores e de realidades dentro do Brasil. Roraima, por exemplo, tem emissão per capita mais alta do que a do Catar (país com a maior emissão per capita do mundo, mais de 90 toneladas por habitante). Por outro lado, o Rio Grande do Norte apresenta emissão per capita compatível com pequenas ilhas, com 1-2 toneladas por habitante por ano.

Queima de combustíveis, emissões fugitivas e energias renováveis 

Dentro dos setores de energia e de processos industriais, as principais preocupações dos especialistas têm sido as emissões de GEE geradas pela queima de combustíveis (predominando a queima de combustíveis fósseis).

Conforme contextualizou o painelista David Tsai, os derivados de petróleo são os principais combustíveis emissores de gases de efeito estufa dentro dos setores de energia e processos industriais no Brasil (54% das emissões). Esses combustíveis são queimados e produzem emissões principalmente nas atividades de transporte - responsáveis por 38% do que é emitido nesses dois setores - e na indústria - que emite 31% do total de CO2e gerado em energia e processos industriais. Já a geração de eletricidade somada à produção de combustíveis totalizam 22% das emissões do setor de energia e de processos industriais.

“Essas porcentagens de combustíveis e atividades emissoras tiveram poucas alterações nos últimos dez anos, tendo ocorrido, no entanto, um crescimento relativamente contínuo de todas essas fontes emissoras”, conta Tsai. O destaque fica para a geração de eletricidade, que apresentou um crescimento mais acentuado em relação às demais atividades nos últimos dez anos. Isso se explica pelo constante aumento da demanda por parte da população nas atividades econômicas, além do esgotamento do aproveitamento hídrico brasileiro, implicando em uma queima maior de combustíveis fósseis em termelétricas.

Aumento de emissões nos setores de energia e processos industriais

“Em especial, no ano passado, observamos picos de emissões após seis anos de relativa estagnação econômica. É importante observar que a recuperação da economia, ainda que tímida, refletiu no crescimento de emissões nos setores de energia e processos industriais”, observou Tsai. Além disso, houve aumento do uso de energia fóssil, também puxando as emissões para cima e indicando que o Brasil está na contramão do que precisa ser realizado para descarbonizar sua economia.

Nesse contexto, a matriz elétrica brasileira também foi menos renovável. “Tivemos no ano passado uma queda na geração hidrelétrica por conta da crise hídrica. Isso levou a um acionamento maior de termelétricas a combustíveis fósseis, gerando aumento de emissões.”, comentou o gerente de projetos do IEMA.

Tsai também destacou o crescimento do uso do óleo diesel no território nacional, ressaltando que o maior desafio para a redução de emissões de gases no setor de energia está no transporte de cargas, e que as possíveis soluções ainda não aparecem em um horizonte próximo.

A não contabilização das emissões por incêndios esconde a situação real 

“Quando olhamos para os biomas, especialmente para a Amazônia, o desmatamento tem um papel preponderante nas emissões brasileiras. A Amazônia sozinha representa 77% das nossas emissões no setor de mudança de uso da terra. 92% dessas emissões estão diretamente associadas a alterações de uso da terra, que transformam a floresta em agropecuária. Então, de fato, combater o desmatamento é a maneira mais barata e eficiente de reduzirmos as emissões brasileiras de GEE”, afirmou Alencar.

Mesmo que os incêndios florestais ainda não entrem no inventário nacional como uma fonte de emissão, a diretora de ciência do IPAM ponderou a importância de se estimar a quantidade de emissões por fogo não associado ao desmatamento. Ela lembrou que cada vez mais as florestas, principalmente a Amazônia, estão mais suscetíveis a incêndios, aumentando as emissões do país.

Em sua apresentação, Marina Piatto chamou a atenção para o fato de a agropecuária ser muito relevante para as emissões brasileiras. Historicamente, o Brasil tem o maior rebanho comercial de gado de corte do mundo, sendo que há mais cabeças de gado no país do que brasileiros. Esse rebanho de corte e de leite emite toneladas de gás metano na atmosfera (cerca de 80% de todo o metano emitido pelo Brasil) por meio da ruminação e eructação. “As emissões de metano são um grande problema para o país, principalmente pelo crescimento anual desse rebanho bovino”, disse Piatto.