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Desmatamento Zero e o futuro do Brasil

14/09/2015

Sustentabilidade

Nos
últimos anos, o Brasil e o mundo têm sofrido com as mudanças climáticas. Perdas
econômicas e sociais, relacionadas às reações extremas do clima, são agora
frequentes. Entre elas, aquelas relacionadas à falta de água para a agricultura,
para o abastecimento humano e para gerar energia, são as mais gritantes. Este
quadro de escassez poderá se agravar no futuro, se o Brasil continuar a
tolerar, mesmo que a baixas taxas, a destruição de suas florestas.  Estabelecer uma meta para a eliminação completa
e definitiva do desmatamento no país e da destruição de vegetação nativa é algo
urgente se quisermos manter um clima minimamente equilibrado para as próximas
gerações.
A boa
notícia é que o Brasil pode zerar o desmatamento em menos de uma década, sem
que, para isto, sacrifique sua produção agropecuária, que poderá se expandir
nas áreas que já estão desmatadas. Ao se comprometer em zerar rapidamente o
desmatamento, o Brasil estará apto a demandar mais ações dos outros países
participantes da Conferência da ONU sobre mudança climática que ocorrerá em
dezembro de 2015 em Paris. Nesta Conferencia espera-se que os países assumam
compromissos mais ambiciosos e necessários para reduzir o risco de catástrofes
climáticas futuras que poderão por em xeque a habitabilidade do planeta.
Ações humanas
estão tornando o planeta mais quente e aumentando os riscos climáticos. Cientistas
do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas [1] (IPCC) afirmam que entre 1880 e 2012 a temperatura média global aumentou 0,85°C. Parece pouco, mas o aumento tem
sido suficiente para gerar desastres climáticos como secas severas, tempestades
intensas, enchentes históricas e enormes ondas de calor. Eventos deste tipo
quase que triplicaram no mundo entre 2010-2014, em relação à primeira metade da
década de 1980[2].
Por conta
disto, em dezembro de 2015, representantes de
196 países estarão reunidos, em Paris, para a 21a Conferência das
Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP21).
Será um momento crucial para que seja firmado um novo acordo de redução das
emissões de gases de efeito estufa a partir de 2020 [3].
Na ocasião, o Brasil deverá levar sua proposta nacional de combate às
alterações climáticas, a qual já conta com resultados importantes. Entre eles,
o estabelecimento de metas de redução de emissões nacionais[4],
incluindo uma meta especifica para o desmatamento amazônico (80% de redução abaixo
da taxa média histórica de 19.625 km2 registrada entre 1996 e 2005).
Para cumpri-la, em 2020 a taxa de desmatamento amazônico deverá ser menor que 3.925
km2. Infelizmente, um valor alto e ainda longe do zero. Para o
Cerrado, a meta de redução estabelecida foi de 54% em relação à média de
2003-2008 (14.000 km2). Apesar destes avanços, o Brasil ainda
desmata muito: cerca de 5.000 km2 por ano em média nos últimos três
anos na Amazônia e de 6.469 km2 no Cerrado em 2010 (último ano com
dado oficial).
Na COP21, o
Brasil deveria estabelecer a meta de zerar o desmatamento em menos de uma
década em todos os biomas, pois é necessário, factível e vantajoso. O desmatamento, particularmente na Amazônia, continua
a ser uma das principais fontes de emissão de gases do efeito estufa do país[5].
Os efeitos da alteração climática, combinada com a continuação da derrubada de
florestas, poderão colocar em risco a produção agropecuária. A floresta
amazônica age como uma bomba gigante que transfere água do solo para a
atmosfera[6] e que é, então, transportada na forma de vapor para outras regiões. Uma boa
parte do território nacional se beneficia desta irrigação natural. A
continuidade do desmatamento pode comprometer este serviço ambiental.
Já em 2020, a
produção agrícola poderá sofrer prejuízo anual da ordem de R$ 7,4 bilhões[7],
como consequência da redução de chuvas em diferentes regiões, em especial no Norte
e no Centro-Oeste.
Na Amazônia,
por exemplo, a redução pluviométrica seria da ordem de 15-20%[8].
Esta projeção parece já estar se tornando realidade, pelo menos em algumas
regiões da Amazônia, em decorrência da remoção drástica da floresta nos últimos
anos. É o caso da bacia do Rio Xingu. Entre 2000 e 2010 a temperatura da região
aumentou em quase 4oC[9] e
a seca vem se agravando nos últimos anos. Agricultores já relatam queda de
produção e produtividade. Basicamente, o desmatamento está eliminando o serviço
de “regador” que a floresta presta ao agronegócio da região.
O avanço do
desmatamento combinado com o aquecimento global afetaria também a geração de
energia hidroelétrica e o abastecimento de água rural e urbano.
O risco deste
cenário futuro pode ser minimizado com a interrupção do desmatamento amazônico
e da destruição de outros biomas nativos, em especial o Cerrado. Para reduzir
as emissões rapidamente, a meta deve ser do desmatamento zero e não desmatamento ilegal zero ou mesmo
desmatamento líquido zero. Nesse último caso, a proteção de florestas nativas
com alto estoque de carbono, biodiversidade e serviços hídricos não conseguiria
ser igualada às plantações de florestas (que levariam vários anos para acumular
carbono).
Conservar as
florestas é uma das formas mais baratas[10] de contribuir para o cumprimento das metas que os cientistas do IPCC recomendam
a nível mundial: uma redução das emissões de GEE global da ordem de 40% a 70%%
até 2050, tomando-se como referência o ano de 2010.
Pelos diversos
benefícios proporcionados pelas florestas, a busca pelo desmatamento zero já é meta
de vários acordos internacionais. Em setembro de
2014, 179 entidades, dentre elas governos, empresas, movimentos e ONGs,
assinaram a Declaração de Nova Iorque, que pede fim ao desmatamento até 2030.
Mais recentemente, a ONU divulgou os novos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável, a serem assinados pelos países ainda em 2015, o qual estabelece a
meta de acabar com o desmatamento até 2020[11].
Além disso, zerar o desmatamento estaria alinhado com o desejo da sociedade
brasileira: mais de 1,4 milhão de brasileiros assinaram a favor de um projeto
de lei pelo fim do desmatamento nas florestas brasileiras.
Felizmente, o
Brasil pode atingir o desmatamento zero rapidamente. O país já possui todos os
elementos e o aprendizado suficientes para chegar lá. Basta ampliar as ações
positivas já em curso e abrir espaço para aquelas inovadoras, voltadas ao
controle do desmatamento, à conservação de florestas e ao uso sustentável de
seus recursos. Entre as várias ações para o fim do desmatamento destacam-se:
1.    
Aumento da produção
agrícola sem desmate. Para tanto, basta aumentar a produtividade nas áreas já desmatadas. Por
exemplo, um aumento de 50% na produtividade da pecuária bovina na Amazônia (de
1 para 1,5 cabeça/ha) seria suficiente para atender a demanda por produtos
agropecuários até 2040 sem que um único hectare de floresta tenha que ser
destruído[12]. O
crédito rural subsidiado oferecido pelo governo federal deveria ser o maior
acelerador desta transformação. Para a safra 2015- 2016 serão R$ 212 bilhões,
dos quais R$ 187,7 bilhões são do Plano Safra e R$ 24,1 bilhões do Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Para acelerar a adoção da
agricultura de baixo carbono (ABC), o governo poderia estabelecer a meta de alocar
todo crédito rural para estas técnicas em uma década, sendo que a cada ano dez
por cento de todo o crédito seria destinado ao Programa ABC. Esta transição
seria apoiada por outras medidas, como a capacitação massiva de produtores
rurais, estudantes e profissionais que atuam na área, como tem sido feito em
outros países em desenvolvimento, além da regularização fundiária e ambiental.
2.  
Aumento
da eficácia na fiscalização.
O Brasil deve ampliar o uso de medidas eficazes contra o desmatamento como o
confisco de bens associados à crimes ambientais e o combate a grilagem de
terras, por meio da punição de crimes sujeitos a maiores penas, como a associação
para o crime, a sonegação fiscal e a lavagem de dinheiro.

3.  
Estabelecimento
de novas áreas protegidas.
O governo federal e os estaduais, em especial na Amazônia, ainda detêm uma
enorme área com florestas públicas “não destinadas” a um uso específico. São
cerca de 80 milhões de hectares[13] à mercê de grileiros e do desmatamento ilegal. A destinação de parte destas
florestas para a conservação e/ou para fins de homologação de terras indígenas
e estabelecimento de reservas extrativistas poderá reduzir substancialmente o
desmatamento e consequentemente as emissões de GEE.
4.  
Ampliação
e consolidação dos compromissos privados e públicos pelo desmatamento zero. As empresas e o poder público devem melhorar a eficácia dos
acordos existentes pelo desmatamento zero. Por exemplo, a comercialização de
gado de origem ilegal deve ser combatida fiscalizando-se as fazendas de cria
que fornecem os bezerros (fornecedores indiretos dos frigoríficos) às fazendas
de engorda. A Moratória da Soja, que ajudou a reduzir o desmatamento na
Amazônia, deve ser mantida nesse bioma e expandida ao Cerrado, onde cerca de
20% da nova soja foi plantada em áreas recentemente desmatadas.
5.    
Uso
da tributação vigente para o estimulo à conservação.  O combate à
sonegação do Imposto Territorial Rural (ITR) ajudaria a reduzir o desmatamento
especulativo[14]. Por
falhas na cobrança, quem desmata para fins de especulação consegue manter
extensas áreas improdutivas pagando um imposto muito baixo. Na Amazônia, havia
em 2012 dez milhões de hectares de pastos improdutivos[15].
O imposto devidamente aplicado geraria um benefício tributário na casa dos
bilhões de reais, uma fonte importante para a manutenção de áreas protegidas e para
o aumento da produtividade agropecuária, incluindo a capacitação e extensão
rural, especialmente para os pequenos produtores.
6. Incentivos financeiros
para conservação.
Governos e empresas devem usar incentivos financeiros para eliminar o desmatamento
e aumentar a produtividade agropecuária. As empresas que tem anunciado compromissos
de comprar somente produtos livres de desmatamento devem ir além das restrições
e apoiar os produtores agrícolas na adoção de melhores práticas. Além disso, o
novo Código Florestal autoriza a criação de incentivos para a restauração e
conservação, que podem ser estabelecidos a partir de vários mecanismos (como a CRA – Cota de Reserva Ambiental).
O poder público deve alocar recursos para estes incentivos e, com isso, vencer
a pressão[16] para adiar a implementação do CAR (Cadastro Ambiental Rural) que é o primeiro
passo para aplicar o novo Código.
As
lições e recomendações acima mostram a dimensão do potencial do Brasil em
avançar para além das metas de redução de desmatamento amazônico e em outros
biomas já estabelecidas na Política Nacional de Mudança Climática.
Ao se comprometer com metas ambiciosas frente a Convenção de
Clima da ONU, o Brasil reforçará sua liderança ambiental e poderá negociar para
que outros países grandes emissores também adotem metas que sejam suficientes
para evitar catástrofes climáticas. Um acordo global fraco significará aumento
de emissões, com graves consequências para o Brasil e riscos climáticos crescentes
para todos.
SignatáriosComitê de
Coordenação do Observatório do ClimaFundação Grupo
BoticárioGreenpeace
BrasilInstituto
Centro de Vida (ICV)Instituto
de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora)Instituto
de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam)Instituto
do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon)Instituto
Socioambiental (ISA)Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem (SPVS)The Nature Conservancy (TNC)WWF-Brasil

[Documento aberto a novas adesões]


[1] O IPCC reúne milhares de cientistas de todo
mundo. Foi criado em 1988 pela Organização Meteorológica Mundial e o Programa
de Meio Ambiente das Nações Unidas, a fim de revisar e avaliar as informações
científicas sobre as mudanças do clima e seus impactos. Disponível em: https://www.ipcc.ch/organization/organization.shtml.[2] The Economist. 2015. Climate change. The Economist,
pp.7–8. Disponível em: http://www.economist.com/news/science-and-technology/21656133-climate-change.[3] Ver
detalhes sobre a COP 21 em: http://www.cop21.gouv.fr/es.[4] Metas disponíveis na Política
Nacional Sobre Mudança do Clima (PNMC).[5] SEEG 2014. Disponível em: http://seeg.eco.br/[6] Nobre AD, 2014, O Futuro Climático da Amazônia, Relatório de Avaliação
Científica. Patrocinado por ARA, CCST-INPE, e INPA. São José dos Campos,
Brasil, 42p . Disponível em: http://www.ccst.inpe.br/wp-content/uploads/2014/10/Futuro-Climatico-da-Amazonia.pdf_[7] Assad, E. et al. 2008. Aquecimento global e a nova geografia
da produção agrícola no Brasil.Disponível em: http://mudancasclimaticas.cptec.inpe.br/~rmclima/pdfs/destaques/CLIMA_E_AGRICULTURA_BRASIL_300908_FINAL.pdf[8] Marengo, J.; Nobre, C. A.; Salati, E.; Ambrizzi, T. 2007.
Mudanças Climáticas Globais e Efeito sobre a Biodiversidade. Sub projeto:
Caracterização do clima atual e definição das alterações climáticas para o
território brasileiro ao longo do Século XXI. Sumário
Técnico. CPTECINPE, p.73. Ministério do Meio
Ambiente.[9] Brando, et al. 2014. PNAS 111:6347-6352;. Silvério, D.V. Alterações na estrutura e funcionamento de florestas transicionais da
Amazônia associada à degradação florestal e transições de uso da terra. Tese
de doutorado/UnB, 2015[10] McKinsey&Company. 2009. Caminhos para uma economia de baixa emissão de
carbono no Brasil. Disponível em: http://www.mckinsey.com.br/sao_paulo/carbono.pdf[11] Organização das Nações Unidas. 2015. Transforming our World: The 2030 Agenda
for Sustainable Development. Disponível em: http://www.un.org/pga/wp-content/uploads/sites/3/2015/08/120815_outcome-document-of-Summit-for-adoption-of-the-post-2015-development-agenda.pdf[12] Strassburg et al., 2014  “When Enough
Should Be Enough: Improving the Use of Current Agricultural Lands Could Meet
Production Demands and Spare Natural Habitats in Brazil.” Global Environmental Change 28 (0): 84–97 . Disponível
em: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0959378014001046[13]
Azevedo-Ramos et al. (em preparação);
Azevedo-Ramos et al. http://www.ipam.org.br/download/livro/Florestas-Nativas-de-Producao-Brasileiras/612.[14]Appy, B. 2015. O Imposto Territorial Rural como forma de induzir boas práticas
ambientais. IPAM, Brasília, DF. e Silva, D., & Barreto, P. 2014. O potencial do Imposto
Teritorial Rural contra o desmatamento especulativo na Amazônia (p. 48). Belém:
Imazon.[15] INPE, 2012, Projeto Terra Class – Mapeamento do Uso e Cobertura da Terra na
Amazônia Legal Brasileira. Apresentação disponível em: http://www.inpe.br/noticias/arquivos/pdf/TerraClass_2012.pdf[16] Em setembro de 2015, Comissão no Senado aprovou o adiamento do limite para
inscrição dos imóveis no CAR para maio de 2018. Disponível em: http://br.reuters.com/article/domesticNews/idBRKCN0R31Y320150903