Falta água, falta energia, falta gestão ambiental
Luís Fernando Guedes
Pinto
A
crise hídrica e a perspectiva de falta de energia devem ser aproveitadas como uma
dolorosa oportunidade para entendermos a importância da gestão ambiental para o
planejamento de longo prazo do Brasil. Parece que finalmente está ficando claro
que a economia e o bem estar das populações dependem da conservação dos
recursos naturais e da proteção da natureza e que uma dimensão depende da outra.
Sabemos
que a falta de água decorre de um evento climático extremo concentrado
principalmente no Sudeste Brasileiro, destes que ocorrem de tempos em tempos.
Mesmo que acentuado pelas mudanças climáticas, é difícil aceitar que a região
que responde pela maior parte do PIB nacional e abriga a maior população do
país não esteja preparada para uma situação extrema de seca ou de qualquer
outro tipo. E que as soluções adotadas são remendos que não consideram o todo e
nem as causas dos problemas.
A
escassez de água afeta a produção agropecuária e pode impactar a oferta e o
preço de alguns alimentos. Pode também diminuir a produção industrial. A
percepção de escassez de insumos produtivos básicos, como água e energia, inibe
os investimentos de longo prazo. Ambos afetam a economia, a oferta de emprego e
uma cascata de consequências no curto e longo prazo. O estoque inadequado de
água nas residências pode aumentar a incidência de dengue. A falta de água
também afeta a rotina de hospitais e escolas, minando a saúde pública e a
educação. E por aí vai.
Enfim,
os impactos são muitos e em várias dimensões que afetam a nossa vida e o nosso
futuro de maneira muito mais intensa do que aparece na superfície. Tudo porque
está faltando água. E falta água não somente pelo mau humor de São Pedro (que
tem o direito de se chatear mais ou menos de tempos em tempos), mas muito
devido a falta de planejamento voltado à produção, armazenamento, distribuição
e uso de água.
Vamos
aos exemplos: a crise hídrica se liga diretamente com a possibilidade de falta
de energia, uma vez que nossa matriz energética é fortemente baseada na
produção hidroelétrica. Sempre nos orgulhamos disto, por resultar em uma matriz
renovável e limpa. Porém, apesar de podermos produzir muito mais energia limpa
e renovável, seja eólica, solar ou da biomassa; a solução para a crise hídrica é
queimar carvão e óleo. Estes não são renováveis, são poluentes e acentuam o
aquecimento global e as mudanças climáticas. Portanto, a solução vai na
contra-mão e somente causa mais chateação para São Pedro, que pode se tornar um
Santo totalmente imprevisível.
Outro
caso simples nos ajuda a perceber a rede de problemas e soluções. A agricultura
é vítima da seca. Dependendo da forma como é feita a produção no campo e a
ocupação das nossas terras, ela pode proteger ou degradar as nascentes, os
cursos d´água e colaborar para produzir mais ou menos água. Se produzir mais
água, ajuda a encher os nossos reservatórios e produzir mais energia das
hidroelétricas. Já produz e pode produzir ainda mais energia como combustível,
seja o etanol ou o biodiesel dos grandes e pequenos produtores. Os resíduos
agrícolas e agroindustriais podem produzir eletricidade diretamente, seja em
grande escala, como nas usinas de cana-de-açúcar, ou nos domicílios e
agroindústrias rurais, via biodigestores. Enfim, é possível construir um ciclo
virtuoso agricultura-água-energia. E o que temos? O inverso: uma política agrícola baseada no
crédito para o produtor plantar e colher em talhões, que não reconhece a
propriedade e a sua gestão e muito menos as bacias hidrográficas. Uma lei florestal
que determina que a produção agropecuária deve proteger o mínimo possível dos
recursos hídricos. Uma política energética que não estimula os biocombustíveis,
a bioeletricidade e as outras energias renováveis. A maior parte dos
investimentos e atenção estão voltadas pra explorar petróleo das profundezas do
oceano em situação de alto risco de acidentes e jogando mais fumaça pra São
Pedro se chatear.
E
por aí também vai, ou melhor, não vai a nenhum lugar ou anda para trás.
Seguimos na contra-mão, atiramos no próprio pé, sempre nos remendos de curto
prazo e esquecendo do interesse público. Desconsiderando as vocações e dádivas
do país gigante pela própria natureza ameaçada e degradada, que permanece se
afundando em berço esplêndido.
Luís
Fernando Guedes Pinto, 43, é engenheiro agrônomo, doutor em agronomia e Gerente
do Imaflora.