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"Falta visão de longo prazo nas políticas para o clima"

05/05/2014



O secretário executivo do
Observatório Clima, Carlos Rittl, afirma que o Brasil tem metas tímidas de
reduções de emissões dos gases que provocam o efeito estufa na atmosfera, mas
que os poderes públicos parecem satisfeitos com  o conjunto de medidas
desenvolvidas até então.
Ele conversou com o Radar
Imaflora enquanto trabalhava na análise das emissões de cinco setores da
economia, da perspectiva das políticas públicas, ao lado das entidades parceiras,
pouco depois da divulgação do 5º Relatório de Avaliação do Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas, ocorrido em Yokohama, no Japão.
É com um arsenal contundente de
dados que ele analisa a questão e aguardaa data da apresentação do trabalho do
Observatório ao Grupo Executivo do Comitê Interministerial sobre Mudança do
Clima, ligado ao Ministério do Meio Ambiente. O objetivo e ampliar o debate e
subsidiar políticas públicas sobre o tema.

Radar - Qual o principal
recado do Relatório? ?Esse volume do Relatório, que
trata impactos, avaliação e vulnerabilidade, tem algumas mensagens importantes.
A primeira é que as mudanças climáticas já afetam todo mundo e vão afetar ainda
mais. Não existe um centímetro quadrado do nosso Planeta, uma única
pessoa, que não esteja vulnerável a um dos efeitos das mudanças climáticas. A
gente já sente hoje os efeitos das mudanças climáticas nas várias regiões do
Planeta, inclusive aqui no Brasil.
Radar - Como
o Brasil se insere nesse contexto?  No médio e no longo prazo,
sentiremos os efeitos sobre a disponibilidade de recursos, sobre a produção
agrícola, sobre a saúde. As condições climáticas regionais, em locais
 como a Amazônia, o Nordeste e o Centro sul, tendem a se alterar. Associado
a isso, a gente pode ter incidência maior de eventos climáticos extremos.
Já estamos convivendo com déficit
de água no sul, sudeste, e com excesso de chuvas na calha do Rio Madeira, o
nível do Rio Tapajós já está acima da média da média para essa época. Essa
situação pode ser agravar. Ou, ao contrário, poderemos ter anos muito secos, e
anos de muita chuva. E isso deve afetar de forma dramática a vida das pessoas.
Radar - E qual seria a outra
mensagem, a qual se referiu, do relatório do IPCC?Outra mensagem importante que o IPCC procurou
explorar está no campo das soluções. Podemos ainda lidar com os desafios que o
clima nos impõe, por meio de medidas severas, rigorosas, de controle de
emissões, associadas à definição de estratégias de adaptação. Mas, é
fundamental associarmos esses dois caminhos, o da redução das emissões - mas
muito maior  do que os compromissos assumidos até então -  à
definição  de estratégias de adaptação às mudanças. No Brasil, temos um
conjunto de políticas de clima que precisam ser aprimoradas à luz do que esse
relatório nos traz, e também á luz do quem vem sendo produzido pela ciência
brasileira. Os argumentos científicos robustos para agirmos estão na
mesa. Cabe aos tomadores de decisão, agirem com responsabilidade.
Radar - Quais são impactos em
dois segmentos chaves para a humanidade, na agricultura e floresta? Começando
por florestas.A combinação de desmatamento e
 mudanças climáticas tende a resultar em uma pressão muito maior sobre os
ecossistemas, sua biodiversidade e sobre os serviços ecossistêmicos.No
Brasil, ainda temos taxas altas de desmatamento, que contribuem muito para o
agravamento das emissões. Associado a isso, a gente pode ter, impactos de
mudanças climáticas sobre a biodiversidade em áreas tropicais, perda de
espécies na Amazônia, Mata Atlântica e outras regiões. Parte da nossa
biodiversidade é de espécies que não existem em abundância, com poucos
indivíduos, e com uma distribuição, por vezes, limitada em determinadas
regiões. As mudanças climáticas tendem a pressionar essas espécies e pode haver
perda significativa de biodiversidade, principalmente se, associado ao controle
de emissões, a gente não chegar a taxas mínimas de desmatamento nas diferentes
áreas de floresta.
Radar - E quanto à agropecuária?Em relação à agricultura e à
pecuária, as mudanças climáticas tendem a provocar alterações nas médias dos
padrões de precipitação e de temperatura, em diferentes regiões. Podemos ter
redução de chuvas em áreas do semiárido, onde já chove pouco. O sudeste da
Amazônia pode sofrer novo estresse hídrico, sem falar no do excesso de chuvas
no sudeste, e centro sul do Brasil. Isso deve provocar alterações na
nossa geografia agrícola.  A aptidão para determinadas culturas, as
condições do solo e dos padrões de clima para determinadas culturas, em
diferentes regiões podem se alterar, ao longo do tempo. É necessária uma
atenção pra isso. O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas vem demonstrando
que todas as grandes culturas no Brasil - café, soja milho, feijão, arroz,
algodão - podem ser impactadas de forma significativa, e regionalmente isso
pode ter um efeito dramático.
Radar - Esses
impactos seriam maiores para os agricultores familiares, que possuem menos
recursos para se defender ...Exato, o impacto é muito maior. É
diferente lidar com grandes atores, que têm condições e recursos para mudar
seus meios de produção, adotar determinadas técnicas e tecnologias ou,
simplesmente se mover de uma região para outra; mudar o que vai produzir a
partir dessas alterações de clima.
Radar - com consequências graves
para a segurança alimentar, fome...    Sem dúvida, segurança alimentar e
hídrica também. Ao longo do tempo, associadas a essa mudança de padrões médios
do clima, podemos ter eventos extremos, anos mais secos ou mais chuvosos se
alternando. Na Amazônia, por exemplo,  tivemos duas grandes secas na
última década, e estamos passando por uma nova grande enchente, que não é a
primeira nesses últimos 10, 12 anos. Essa intensificação de extremos tem efeito
imediato muito severo. No nordeste, morreram quatro milhões de animais, em 2012
por conta da seca. Em São Paulo, estamos vivendo um estresse hídrico, que é o
maior de que se tem notícia.
Sessenta por cento da água do Brasil
é consumida pela agricultura. Os efeitos para agricultura, para a
disponibilidade de alimentos e preços podem ser significativos. Um exemplo é o
desabastecimento no Acre, em razão da cheia do rio.
Radar - Quando falamos dos impactos, pensamos, naturalmente,
nas responsabilidades dos poderes públicos para a mitigação desses
efeitos. Como estão sendo estruturadas as políticas, nas diversas regiões, com
essa finalidade?Vimos avanços importantes no
Brasil, de 2008 para cá, quando foi lançado o Plano Nacional de Mudanças
Climáticas. Em 2009, o Brasil assumiu metas de redução de emissões e começou a
desenvolver politicas setoriais, planos de mitigação na agricultura,
pecuária, energia, transportes, indústria, redução de desmatamento na Amazônia e
cerrado. Hoje temos em um plano para a agricultura de baixo carbono. Mas, os
avanços, ainda são muito tímidos.
Um exemplo, temos recursos da
ordem de 1 bilhão e meio a 2 bilhões de reais, por ano, para esse plano,
enquanto a agricultura tradicional recebe recursos  da ordem de 130
bilhões de reais. Precisamos ter a ambição de, ao longo do tempo, transformar
toda a nossa agricultura em uma agricultura que aplica as melhores técnicas em
redução de emissões. Há muita possibilidade de ganha-ganha, com maior eficiência
e maior rentabilidade, mas isso não está em discussão. Estamos vendo o
poder público satisfeito com o conjunto de políticas que foram desenvolvidas,
mas temos que evoluir muito, temos que pensar no pós 2020, pois as metas de
redução de emissões do Brasil param aí, e não temos ainda processo formal para
defini-las para 2030, 2040, 2050.
Radar - E as empresas privadas e
sociedade civil, qual a responsabilidade desses dois setores?Políticas de mitigação dependem
do engajamento de todos. Dependem muito do comprometimento do setor privado,
das organizações, das instituições de pesquisa, da sociedade civil.
É fundamental o papel dos
governos para politicas de mitigação e adaptação, mas  também, dependemos
do grau de comprometimento e de engajamento do setor privado, das organizações,
instituições de pesquisa e dos indivíduos. Uma combinação de compromissos é que
vai nos levar à solução.  
Radar - É nesse contexto que
o Observatório do Clima está inserido.Sim, o Observatório é uma rede
com 12 anos de existência, reúne mais de 30 organizações no Brasil, atuando na
agenda de mudanças climáticas, com foco no avanço do debate sobre esse tema, no
Brasil e no avanço das políticas públicas, de forma a termos respostas,
tanto  do ponto de vista de  responsabilidades por nossas emissões
 (com o compromisso de reduzi-las, no médio e longo prazo) quanto, do
ponto de vista do impacto e vulnerabilidade.
Antes do governo adotar uma
política nacional de mudanças climáticas, fizemos propostas para uma política
nacional. E continuamos participando de diferentes fóruns, o que possibilitou a
criação do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito, que nós
lançamos no passado, com a contribuição do IMAFLORA.  
Radar - Os resultados vão ser
entregues ao Governo Federal, como está isso?Estamos concluindo a análise das
estimativas de emissões, à luz de políticas publicas e a nossa primeira
intenção é fazer uma apresentação ao Grupo Executivo da Comissão
Interministerial de Mudanças Climáticas. Mas pretendemos apresentá-lo para a
sociedade como um todo. É um bom momento por se tratar de um ano eleitoral, é
um momento em precisamos definir nossos compromissos pós 2020, no processo de
negociação da Convenção de Clima, das Nações Unidas. É importante  colocar
essa contribuição para o debate, apontar os pontos de atenção e quais os
setores da nossa economia que estão caminhando bem.
A gente teve progressos
interessantes no Brasil, mas estamos muito acomodados.
Estamos numa situação de conforto como se isso bastasse, não é. Ainda mais para nos
preparamos para o longo prazo.  Não podemos ficar mais, apenas com metas
voluntárias.  As mudanças climáticas impõem desafios enormes e irão exigir
mudanças significativas na forma como produzimos e consumimos nas próximas décadas.
Precisamos nos antecipar e começar a planejar o Brasil em um contexto de
desenvolvimento de longo prazo, que reduza emissões  e que seja resiliente
às mudanças climáticas. Ainda estamos muito longe disso.
Saiba mais em www.observatoriodoclima.eco.br