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Ligando os pontos entre a crise hídrica e a agricultura

16/01/2015



Luís Fernando Pinto
A crise
hídrica se acentua a cada dia, aumentando as chances de um colapso que pode
afetar drasticamente a população e a economia de uma grande parte do país em
2015. Na agricultura não é diferente. 
Em 2014,
somente a produção de cana-de-açúcar teve uma quebra de mais de 10% em São
Paulo. A seca continua castigando as lavouras, ameaçando diminuir a safra em
várias culturas. Mas se a agricultura é vítima, é ao mesmo tempo vilã e
salvadora. Vamos ligar esses pontos. 
Além de um
grave problema de planejamento para o armazenamento de água, a crise é
decorrente de uma seca severa. Eventos climáticos extremos são consequência do
aquecimento global, que segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas (IPCC), ocorrem em função do aumento das emissões de gases de efeito
estufa (GEE). 
Ponto 1: o
Brasil está entre os 10 maiores emissores de GEE do mundo. Em 2013, a
agricultura foi a principal fonte de emissões de GEE no país, respondendo por
63% do total, principalmente devido ao desmatamento, à pecuária e ao uso de
fertilizantes nitrogenados. 
A crise se
acentua, pois estamos consumindo mais água do que produzindo. A produção ocorre
pela infiltração da chuva no solo, que chega aos lençóis freáticos, nascentes e
cursos d'água das bacias hidrográficas. Quanto mais floresta existir em uma
bacia hidrográfica, mais infiltração e mais protegidas estarão as nascentes e
cursos d'água. Quanto melhor a conservação do solo, mais água infiltra. 
O ponto 2
está feito: nossa agricultura ainda não protege os solos adequadamente e ocupa
grande parte das áreas fundamentais para a produção de água – as tais áreas de
preservação permanentes, ou APPs. Mais de 20% das APPs de São Paulo estão
ocupadas por pastos ao invés de florestas e algumas das suas mais importantes
bacias hidrográficas tem menos de 5% de cobertura florestal. Em geral, quanto
mais monocultura, menos floresta. 
Ponto 3: o
setor rural lutou fortemente para a publicação de um Código Florestal que
protege menos floresta e praticamente não exige a restauração das APPs. 
Para
completar, o ponto 4, a agricultura também é grande consumidora de água, devido
à irrigação das culturas. Em geral, desperdiçamos água, pois mal se considera o
tipo de solo e a necessidade das plantas para se irrigar uma lavoura. Estamos
longe de fazer uma irrigação eficiente no campo. 
Obviamente,
as soluções para a crise hídrica passam, não exclusivamente, mas
necessariamente, pela agricultura e o uso da terra no Brasil. Temos a ciência e
tecnologias para entender e resolver essas complexas questões. Porém, além de
não contarmos com São Pedro, não temos as políticas públicas, instrumentos e
incentivos para reverter a situação e tornar a agricultura uma produtora de
água e mitigadora das mudanças climáticas, sistematicamente e em escala
nacional. 
Luís
Fernando Guedes Pinto,
engenheiro agrônomo e doutor em agronomia pela Universidade de São Paulo, é
gerente de certificação do Instituto de Manejo e Certificação Florestal
Agrícola (Imaflora) e membro da Rede Folha de Empreendedores Sociais.
Fonte: Texto publicado originalmente em Folha de São Paulo/Empreendedor Social