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Não basta ser legal para ser sustentável

13/05/2014



Luís
Fernando Guedes Pinto e Maurício Voivodic*



A
gigante agropecuária
brasileira – 275 milhões de hectares, 190 milhões de toneladas
de grãos e âncora do PIB e da balança comercial brasileira – passa por um
período de intensa efervescência. Enquanto um grupo conservador e poderoso
(representado pela bancada ruralista) orquestra retrocessos no marco
regulatório ambiental, fundiário e trabalhista; produtores com visão de futuro
arregaçam as mangas na fronteira da inovação
e da sustentabilidade,
conquistando novos mercados e atendendo às certificações mais exigentes do mundo.
Como
é característico em períodos de transição, no campo se vê uma diversidade de
situações. Coexistem no setor produtores que ainda operam de forma arcaica e
predatória com outros que buscam na pesquisa
e inovação
as condições necessárias para uma produção voltada para o futuro.
Fora
das fazendas a agitação também é grande. Grandes empresas compradoras de commodities agrícolas,
bancos, supermercados e as principais marcas internacionais que operam no setor
do agronegócio
buscam formas para que as práticas danosas à sociedade não deixem marcas ao
longo de suas cadeias
produtivas, que possam resultar em riscos à sua imagem e
reputação. O desafio aumenta com a dificuldade em se adotar mecanismos eficazes
de rastreabilidade
em um universo de milhares de fornecedores.
Como
produto deste processo, emergem novos arranjos entre produtores, empresas e
sociedade civil e políticas
públicas inovadoras, como o Programa ABC, que incentiva a agricultura de baixo carbono.
Em forte disputa, uma nova governança se constrói aos poucos para o setor, na
busca por conciliar o interesse público com os do setor produtivo.
Estas
novas alianças direcionam seus esforços para eliminar práticas predatórias e
degradantes e conduzem a produção agropecuária para uma situação de atendimento
à legislação ambiental e trabalhista. Um enorme esforço tem sido feito para
promover a adequação ao Código
Florestal, com as baterias voltadas para o Cadastro Ambiental Rural
(CAR), que é apenas o primeiro passo para o cumprimento da nova lei, publicada
em 2012.
Faz
bastante sentido considerar o cumprimento legal e a eliminação de práticas
predatórias como os primeiros passos rumo à sustentabilidade. No Brasil, o
cumprimento das legislações ambientais e trabalhistas no campo e ao longo da
cadeia produtiva é um largo passo e representa um grande avanço para o setor.
Principalmente considerando que o Brasil tem um marco legal ambiental e
trabalhista avançado em relação a alguns dos países com o qual a nossa
agropecuária compete. Ainda assim, é um grande equivoco achar que o cumprimento
legal é sinônimo de agricultura responsável ou sustentável, conforme algumas
iniciativas vêm sendo promovidas. Esta confusão de termos é comum e a tendência
de se supervalorizar um bom projeto pode se tornar um tiro no pé.
Assim,
cumprir com o CAR apenas inicia a escalada da pecuária sustentável, que deve ser
seguida de planos de restauração
de matas em beiras de rios e nascentes, recuperação de pastagens,
ciclos mais curtos de produção de carne e práticas de bem estar animal. Além
de contribuir para diminuir o desmatamento,
a produção de soja deve evitar a erosão,
diminuir o uso de agrotóxicos,
oferecer empregos seguros e dignos e promover desenvolvimento no seu entorno.
Também
temos que ir além da legalidade, pois este largo passo não será suficiente para
o Brasil cumprir com os seus compromissos internacionais ou caminhar
concretamente para a sustentabilidade do setor. O cumprimento legal será insuficiente
para zerar o desmatamento, para reduzirmos abruptamente o uso de quase um
milhão de toneladas de agrotóxicos e para garantirmos a disponibilidade de água
para a própria produção no campo, para as cidades e para a produção de energia.
Também não garantirá a redução
das emissões de gases de efeito estufa das 1,4 Gtons de 2013
para 0,3 Gtons em 2050, o que corresponde à fatia da redução da agropecuária
brasileira e é proporcional ao esforço global necessário para não aumentarmos a
temperatura do planeta acima dos 2 °C.
Somente
a lei será pouco para proporcionar um salto de qualidade de vida e bem estar
para os 15 milhões de trabalhadores familiares e assalariados rurais. E
precisamos de mais do que a lei, ainda, para uma mudança na gestão da produção
agropecuária, que integre as operações produtivas com as dimensões econômica,
ambiental e social, uma enorme lacuna no campo.
Estas
metas somente serão conquistadas se avançarmos em uma progressão contínua rumo
à sustentabilidade, que começa, mas não para na legalidade. E para isto, também
já temos as referências, pois os casos da melhor e mais responsável produção já
estão em operação no campo. Para ampliar significativamente a sua escala falta
um conjunto inteligente e integrado de políticas públicas e privadas capaz de
propiciar um ambiente favorável à inovação e à transição rumo à
sustentabilidade que o setor, o país e o planeta precisam.
*Luís Fernando Guedes Pinto é engenheiro agrônomo, doutor
em Agronomia e gerente de certificação do Instituto de Manejo e
Certificação Florestal e Agrícola – Imaflora
Maurício Voivodic é engenheiro florestal, mestre em
Ciência Ambiental, e secretário executivo do Imaflora
Foto: Liana John (integração lavoura-pecuária-floresta,
fazenda Santa Brígida, Ipameri, GO)
Fonte: AgriSustenta
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