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Sustentabilidade: a medida da contribuição das empresas

28/10/2013



Sérgio A. P. Esteves, AMCE1o Fórum dos Estudantes, Atibaia, [email protected]
é um tema atual. Isso significa que segue tendo relevância na vida
contemporânea. Talvez já não se possa dizer que represente a última moda na
gestão das empresas - e eu espero poder mostrar por que penso assim. Isso, no
entanto, não abala em nada a sua importância, já que se trata de um assunto
público e não de um tema de natureza privada.No
Brasil, sustentabilidade começou a ser cogitada na agenda das empresas a partir
da segunda metade dos anos 90, tomando certo impulso no início dos anos 2000.
Ao mesmo tempo em que a sua proposta assustava os mais conservadores, algumas
lideranças empresariais viram na sustentabilidade um potencial para criar
diferenciação. Ao assumirem sustentabilidade como possibilidade de que poderiam
lançar mão para melhorar o desempenho dos negócios, no entanto, reconheciam por
consequência a importância de uma ética reguladora dos relacionamentos pautados
por interesses econômicos e a existência de certos riscos ambientais e de certa
legitimidade em interesses e demandas presumidas da sociedade. Esse
reconhecimento era condição necessária para que pudessem mostrar a legitimidade
e relevância de seu interesse pelo tema e, por meio de ações práticas que se
propunham a empreender, o seu sentido de responsabilidade – almejando, dentre
outros retornos, o fortalecimento da imagem organizacional. Nomes como Paul
Hawken [autor de The Ecology of Commerce – a declaration of sustainability,
1993] e Willis Harman [autor de Creative
Work: The Constructive Role of Business in a Transforming Society, 1991] trouxeram
para a conversa da estratégia empresarial possibilidades e dimensões até então
inexistentes ou, no máximo, existentes de modo incipiente.Assim,
sustentabilidade foi sendo gradativamente introduzida nas empresas por meio de
seu propósito original - um conceito ainda em formação que essencialmente
problematizava o presente em relação ao futuro - e de ações de melhoria de
desempenho, notadamente de natureza ambiental. Com o tempo, o propósito da
sustentabilidade foi mantido no nível do discurso mas, em termos práticos, acabou
por se desvincular das ações de melhoria que eram empreendidas pelas
organizações. Em outras palavras, a melhoria de desempenho ganhou importância
em si mesma – e as pessoas trabalhavam para essa finalidade, assumindo que a
consequência natural seria contribuir no esforço pela sustentabilidade. Essa
associação era habitual e pareceria estranho problematiza-la.Tratada
como desempenho, a sustentabilidade introduziu novos processos de gestão e
novas métricas nas empresas visando dar conta, na medida do possível, da economia
de recursos e, de certo modo, de danos colaterais infligidos ao ambiente
natural. Questões relacionadas à sociedade e ao indivíduo, na maior parte dos
casos, eram abordadas dentro dos limites dos programas culturais e de ação
social. Assumia-se que esses programas representavam uma contribuição ao
esforço para o enfrentamento de assimetrias sociais reconhecidas. Também aqui
não parecia caber qualquer iniciativa de problematização.Em
bem poucos casos, contudo, examinou-se questões associadas à apropriação e ao
uso de recursos naturais quando vistos sob uma perspectiva mais ampla, de sua distribuição
geográfica, escassez e esgotamento. Um desses casos raros - e emblemático - que
cito aqui como referência, é o do Ray Anderson, o falecido CEO da INTERFACE-FLOR,
que assumiu publicamente sentir-se como um saqueador da Terra ao se referir aos
impactos do modelo de operação de sua empresa sobre a biosfera. Os que se
interessarem poderão conhecer um pouco da evolução de seu pensamento peculiar sobre
sustentabilidade em http://www.ted.com/talks/ray_anderson_on_the_business_logic_of_sustainability.html. No Brasil, acho que eu poderia citar
como um exemplo desses casos raros a Mercur, uma empresa de quase 90 anos
localizada em Santa Cruz do Sul. Ao ter-se colocado a questão sobre o quanto o
seu negócio era socialmente relevante, dadas as externalidades que provocava, a
empresa ocasionou o desmonte de processos de gestão voltados à indução do
consumo, dando inicio a um processo de mudança de longo prazo que prevê, dentre
outras inovações, a substituição de recursos não renováveis em seus processos
produtivos e a criação de relevância social em sua atuação. Um desafio enorme que,
no entanto, tem o mérito de colocar a questão da sustentabilidade no plano da
sociedade, que é onde ela adquire seu melhor significado.De
um modo geral, no entanto, ao longo dos últimos 15 anos, se poderia dizer que as
empresas pioneiras avançaram na economia de recursos de que elas próprias também
eram beneficiárias, na criação de processos de aproveitamento e descarte das
sobras dos processos produtivos e de produtos pós ciclo de vida, na gestão das
diversas formas de poluição, na valorização da diversidade capaz de alinhavar
arranjos produtivos com diferentes parceiros, nas relações com as comunidades
do entorno e com os públicos influenciados por seus negócios - e na melhoria
dos processos de governança, apenas para citar algumas de suas frentes de
atuação no campo da sustentabilidade. Não é pouca coisa.O
limite dessas ações, contudo, era previsível. De fato, para a maioria das
empresas envolvidas com sustentabilidade foi possível contabilizar inúmeras realizações
apenas introduzindo pequenas inovações em modelos de negócio, organização e na
estrutura de relações na cadeia de valor; substituindo insumos, gerenciando
resíduos e alterando especificações técnicas de embalagens, produtos e
serviços; redesenhando processos e indicadores de desempenho e promovendo junto
aos públicos mais próximos certo awareness
e treinamento. Isso tudo exigia investimentos relativamente pequenos quando
considerados em relação ao que estava em jogo - e teve o mérito de estruturar
melhor a relação entre os atores envolvidos com a operação das empresas, embora
nem sempre logrando substituir inflexibilidades e imposições por relações de
cooperação.Empenhadas
em capitalizar os créditos que entendiam ser devidos à medida em que
contabilizavam ideias e realizações no campo da sustentabilidade – visando
criar diferenciação e uma boa receptividade à marca – as empresas investiram
somas consideráveis em comunicação e branding.
Esses investimentos faziam parte do plano de negócios e tudo indicava que
continuariam a ser feitos por muito mais tempo: durante pelo menos os dez
primeiros anos do novo milênio havia o sentimento comum de que tudo em termos
de sustentabilidade ainda estava por ser feito. Havia ainda uma percepção
construída de que as empresas envolvidas com sustentabilidade tendiam a
oferecer melhores retornos aos seus acionistas por terem gestores mais
preparados, habituados a uma gestão de maior complexidade – o que teria a
capacidade de atrair investimentos e de criar melhores condições financeiras de
captação de recursos. Em torno da proposta de sustentabilidade gradualmente se
criavam assim expectativas que não eram pequenas e um mercado que se organizava
como uma espécie de ecossistema promissor.As
empresas que não foram pioneiras acabaram pegando certa carona nessa
efervescência de sustentabilidade no período, em parte provocada pelo poder de
influência e pela força da comunicação das empresas pioneiras, em parte pelo awareness social que a mídia provocava
em torno do tema, e em parte pelo mercado que se criava, notadamente de
serviços mas também envolvendo novas tecnologias, inclusive de gestão. Em certa
medida essa carona tinha natureza interesseira e de dava por imitação ou era
induzida por exigências de clientes mais influentes que haviam comprado a ideia
da sustentabilidade. No entanto, não se pode dizer que pelo menos algumas
dessas iniciativas tardias não tenham criado, de algum modo, consequências
positivas e dado contribuições ao conjunto das realizações que as empresas
procuravam capitalizar em seu interesse.Com
o passar do tempo, porém, à medida em que as empresas contabilizavam realizações,
as oportunidades de melhorar desempenho foram se tornando gradualmente menores
e menos atrativas do ponto de vista da comunicação, uma vez que eram
condicionadas pela tecnologia instalada, pelos modelos de operação e, em muitos
casos, por flutuações naturais do mercado. É nesse contexto que
sustentabilidade começa silenciosamente a deixar de ser um tema da moda no
ambiente empresarial. Novos avanços, a partir de certas conquistas, costumam
exigir investimentos bem maiores, para os quais não há, na lógica de mercado a
partir da qual as empresas operam, retornos compatíveis. Um exemplo que ajuda a
compreender melhor esse ponto pode ser dado pelo esforço feito pelas empresas
para diminuir o consumo de água em seus processos produtivos. A natureza do
produto e a tecnologia utilizada em sua fabricação antecipam um limite possível
para essa economia. Ultrapassar esse limite pode passar pelo questionamento da
necessidade do produto para atender a certa necessidade humana diante da carga
socioambiental necessária para viabilizá-lo. Ou pode passar ainda pela
avaliação de se a indústria está localizada em uma região cujo lençol freático
é capaz de atender às suas necessidades e ainda assim permitir a implantação de
novas indústrias, criando um viés de desenvolvimento local compatível com as
aspirações das comunidades do entorno. Como se vê, a partir de certo ponto os
investimentos em melhorias de desempenho socioambiental podem crescer
exponencialmente e as questões de sustentabilidade assumem naturalmente novas
dimensões. Elas não se resolverão mais sem um novo olhar sobre a realidade que
estabelecemos para dar conta dos nossos interesses e sem inovações disruptivas;
não se resolverão com uma educação que se presta apenas a preparar para o
trabalho. Na lógica imediatista das empresas – e do mercado – as mudanças
profundas implicadas e os investimentos associados parecem não se justificar.A
pergunta que parece ficar em aberto então é se os limites da contribuição das
empresas ao esforço da humanidade por sustentabilidade ficariam restritos aos
melhores resultados que possam obter na gestão de seu desempenho socioambiental
e à sua capacidade de sensibilizar e influenciar a cadeia de valor em relação
ao tema. Não se deveria esperar nada além disso - e que mostra não ter potência
suficiente para dar conta das inúmeras questões que afligem a sociedade
contemporânea?Não
posso deixar de mencionar que a mim me parece que esse talvez possa vir a se
constituir em um falso dilema. Fica mais claro a cada dia para todos os que
constroem compromissos legítimos em torno da proposta de sustentabilidade que
esta deve ser conversada em ambientes públicos, em meio à diversidade, o que
lhe empresta uma dimensão política que não se deve querer contornar.
Sustentabilidade tem a ver com a humanidade – a meu ver a principal
protagonista – e, ao mesmo tempo, com as sociedades e os indivíduos; tem a ver
com o poder público, as empresas e as demais representações e organizações
legítimas presentes no espaço social. Envolve, portanto, diálogos plurais que
reconhecem a diversidade e diferenciam circunstâncias – assim como envolve
incontornáveis construções coletivas de soluções e encaminhamentos.Espera-se
que, gradualmente, as pessoas que influenciam cotidianamente os rumos das organizações
compreendam que, após terem trabalhado para melhorar seu desempenho
socioambiental, têm agora pela frente talvez a tarefa mais importante da
sustentabilidade a elas reservada: construir coletivamente, em sociedade, uma
nova geração de premissas para os negócios e de modelos organizacionais capazes
de criar relacionamentos, processos, produtos e serviços compatíveis com as
expectativas de seus públicos e da sociedade - e com os limites físicos do
ambiente natural.Assim como se
espera que a sociedade possa ser cada vez mais protagonista na tarefa sem
precedentes de debater o crescimento populacional à luz dos recursos finitos do
ambiente físico e de ajustar o consumo das nações a uma premissa de equidade entre
os povos. Apesar da complexidade, trata-se de uma tarefa que nos fará bem –
principalmente porque nos mostrará o quanto podemos usar a consciência que nos
diferencia a serviço da vida.
Sérgio Esteves
é sócio-diretor da AMCE (www.amce.com.br/) e
integra o conselho do Imaflora desde junho de 2002.