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Equidade e Certificação

04/07/2013



Por: Luís Fernando Guedes Pinto

É crescente a importância de instrumentos de
mercado, como a certificação e os pagamentos por serviços ambientais, na cesta
de soluções para incentivar mudanças em setores e cadeias produtivas rumo à
sustentabilidade. É cada vez mais comum nos setores ligados a produção
agropecuária, florestal e de manejo de recursos naturais.No entanto, apesar do propósito de colaborar para a
sustentabilidade, há grandes preocupações quanto à implementação dos
instrumentos de mercado: se estariam beneficiando igualmente os diferentes
tipos de produtores e partes afetadas pela sua atividade ou se acentuam as
desigualdades entre pequenos e grandes produtores ou grandes empreendimentos e
as comunidades impactadas por estes.Resumindo, se questiona se, ou sob quais condições,
os mecanismos do mercado conseguem contribuir para uma maior equidade e justiça
ou terminam por aprofundar as diferenças da sociedade.Para tentar responder essas perguntas, realizamos
um estudo para avaliar a equidade no sistema de certificação florestal FSC
(Forest Stewardship Council ou Conselho de Manejo Florestal).Inicialmente, é preciso falar um pouco sobre o
conceito de equidade, que difere sensivelmente do de igualdade, e de como a
justiça é vista dessas duas perspectivas: a justiça sob a perspectiva de uma é
diferente da outra.A igualdade, obviamente, trata todos como iguais. A
equidade considera as diferenças, capacidades e pontos de partida de cada um
para obter os mesmos direitos. As políticas afirmativas (de gênero, raça ou
deficiências) estão calçadas no conceito de equidade, visando garantir os
mesmos direitos para aqueles que são diferentes. Assim, enquanto a justiça,
pela via da igualdade, é cega, pela via da equidade, tem os olhos bem abertos.
E uma abordagem de equidade nos permite ampliar a análise da justiça a respeito
da criação e da implementação de políticas públicas ou privadas.Para uma avaliação neutra da equidade em mecanismos
de mercado, deve-se considerar perguntas como: 1) quem participa da definição
desses sistemas? 2) há equilíbrio entre partes interessadas do Sul e do Norte
ou entre grupos de interesse econômicos, sociais e ambientais? 3) esses grupos
de interesse participam desses sistemas com a mesma capacidade? 4) qual é o
público-alvo definido ou quem eles pretendem beneficiar? 5) que mudanças eles
pretendem fomentar? A conservação da natureza, o bem estar de trabalhadores e
comunidades? Em que escala territorial e temporal? 6) há mecanismos para
proporcionar acesso igual aos diferentes perfis de produtores e empreendedores?
7) quais são os mercados de destino desses produtos? 8) quais dimensões de
equidade que esaes mecanismos proporcionam para os seus beneficiários? Maiores
possibilidades de diálogos e negociação? Garantias de direitos e acesso a
serviços básicos, como moradia, saúde e educação? Aumento de suas capacidades?
Ou maior distribuição de benefícios materiais, como renda e infraestrutura?Para levar essas questões ao mundo real, fizemos
uma avaliação abrangente das várias dimensões da equidade em diversas escalas
do sistema de certificação florestal FSC, com a análise local apoiada em um
estudo de caso no Brasil*. O FSC é o principal sistema de certificação
florestal do mundo, com maior tempo de implementação e que tem inspirado a
criação de diversos outros, como as mesas-redondas para commodities agrícolas.Além disso, o FSC tem várias dimensões da equidade
como objetivos explícitos, seja na sua governança, políticas ou padrões de
certificação. Pretende transformar florestas de todo o mundo, especialmente as
tropicais, com o objetivo de beneficiar as pessoas afetadas por elas, e distribuir
os benefícios da certificação ao longo das cadeias produtivas florestais.Contudo, apesar das grandes virtudes do FSC e de
podermos confirmar que há vários mecanismos e salvaguardas que visam garantir a
equidade no desenvolvimento e aplicação do sistema, concluímos que a sua
implementação é desigual no mundo e no Brasil.Apesar da conservação das florestas tropicais e
seus povos terem sido um dos principais objetivos da sua fundação, 20 anos
depois, mais de 80% das florestas certificadas são temperadas e estão na
América do Norte e na Europa. Menos de 4% delas são manejadas por comunidades e
povos indígenas.No Brasil, as assimetrias se confirmam. Plantações
de espécies exóticas (pinus e eucalipto) contam com 57% da área, assim como 90%
dos certificados no país são de empresas. Mais da metade do setor de plantações
do Brasil e quase 100% do setor de papel e celulose estão certificadas, ao
passo que o FSC atingiu menos de 5% das florestas nativas no país. E apesar das
comunidades representarem uma pequena parte dos certificados, esta conquista
somente foi possível devido a intensos esforços externos para superar as
barreiras de capacidade para se certificar. Políticas públicas e empresariais,
ONGs e doadores e um organismo de certificação tiveram um papel fundamental na
conquista e manutenção da certificação por esses grupos.Tudo isto se explica pelas diferenças de
capacidades de cada grupo de interesse do setor florestal internacional e
brasileiro em participar do desenvolvimento e da implementação do FSC. E essa
regra vale para todas as outras iniciativas. Esses processos são dominados por
quem tem mais capacidade. Em geral, por organizações dos países desenvolvidos,
sejam grupos econômicos ou ambientalistas, seguidos de longe por movimentos
sociais e grupos locais, sejam pequenas empresas, ONGs ou grupos de
trabalhadores.
Fonte: Folha de São Paulo Empreendedor Social

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