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Certificação socioambiental no Brasil: descompasso entre o mercado e a ciência

16/01/2014



Luís Fernando Guedes Pinto1 e Elisa Hardt2
As certificações
socioambientais estão cada vez mais presentes na vida das pessoas e empresas.
Nos setores de florestas e agropecuária, é comum o manejo de recursos naturais
e o emprego de mão-de-obra em situações potencialmente precárias. Esse fenômeno
faz parte da exigência de consumidores de ter garantias sobre a qualidade,
rastreabilidade e sustentabilidade dos produtos comprados. Eles querem saber de
onde vem e como são produzidos os bens que escolhem no cotidiano. Como resposta
a esta tendência, grandes empresas globais de alimentos, combustíveis e do
varejo assumiram na última década compromissos em comprar produtos de origem
certificada. Essa estratégia passou a ser uma forma para essas corporações
garantirem e comunicarem para seus acionistas e públicos o cumprimento de suas
politicas de sustentabilidade internas e nas cadeias de suprimento.
Organizações brasileiras têm
sido líderes na criação destes sistemas, como as mesas redondas da soja, da
cana e do FSC® - Forest Stewardship Council®. Além da liderança política,
estamos entre os primeiros na implantação destes sistemas no campo. O Brasil
tem a maior área de florestas tropicais certificadas no mundo (mais de 7
milhões de hectares) e é o maior produtor de café, cana-de-açúcar e soja com
certificação socioambiental. 
Mas, apesar da relevância da
certificação em setores importantes da economia, do ponto de vista da Academia,
parece não haver a devida atenção. Para fazer uma avaliação preliminar dessa
hipótese, realizamos uma análise da literatura sobre o tema e o levantamento
dos pesquisadores atuando neste campo, por meio de buscas nos grupos de
pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) e com o envio de questionários a pesquisadores. Foi uma prospecção
exploratória com o principal objetivo de apontar tendências e lacunas do
conhecimento sobre a certificação para estudos futuros mais elaborados. 
Assim, chegamos à conclusão
de que a maior parte da literatura sobre certificação socioambiental é liderada
por grupos internacionais, com participação incipiente de brasileiros. 
Também tivemos um segundo achado, sobre o pequeno tamanho do grupo nacional a
estudar esse tema frente à grandeza do tamanho do desafio para entender a
complexidade deste instrumento de mercado; considerado como parte de uma nova
governança ou correlação de forças e disputa de poder em nossa sociedade. 
E, mesmo com pesquisas interessantes, trabalhos e contribuições significativas,
constatamos que as atividades são desenvolvidas de maneira pontual e
desarticulada. 
Acompanhada de grandes
promessas e expectativas, a certificação embasa a tomada de decisão de
produtores, ONGs, empresas e consumidores. Espera-se que seja um mecanismo
indutor de mudanças no campo rumo à sustentabilidade, ao promover a conservação
dos recursos naturais, garantir direitos e gerar bem estar aos trabalhadores e
comunidades. Um dos questionamentos é se estes instrumentos de mercado são
acessíveis para pequenos produtores e comunidades tradicionais, de modo a serem
capazes de diminuir as desigualdades entre os produtores estruturados e os
marginalizados. A pergunta sobre os impactos e os benefícios da certificação é
apropriada. Os indicativos são de que temos muito pouco disto realmente testado
e avaliado com a imparcialidade do método científico e que temos poucos
pesquisadores e escassos recursos envolvidos em estudar estas questões essenciais.
Notamos, ainda, a ausência e a baixa ênfase da certificação nos atuais
currículos das Ciências Agrárias, Econômicas, Ambientais e da Sociologia. 
Diante disso tudo,
pretendemos chamar a atenção para o grande descompasso entre a realidade do
campo e dos mercados quanto à pesquisa e ao ensino científico na área de
certificação. Há muitas perguntas para ser respondidas. A reversão dessa
situação depende de uma estratégia integrada entre as agências de fomento e
pesquisa nacional, via entidades como CNPq, CAPES, FAPESP, FINEP e Embrapa. Uma
articulação coordenação desta natureza poderá trazer-nos à posição de líderes
também do entendimento e avaliação dos impactos sociais, políticos, econômicos
e ambientais da certificação socioambiental. 
* Íntegra do artigo publicado na Revista Agroanalysis da
Fundação Getúlio Vargas. Volume 34, número 1. Janeiro de 2014. Página 21. 
1. Engenheiro Agrônomo e Doutor em Agronomia. Gerente do
IMAFLORA – Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola. 
2. Bióloga e Doutora em Engenharia - Recursos Hídricos,
Energéticos e Ambientais. Pesquisadora do IMAFLORA.