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Porque participar da discussão sobre o orçamento da cidade

11/07/2013



Por Odilon Guedes



Por ocasião do lançamento da
cartilha “Como participar do orçamento público de Piracicaba”, sobre o processo
orçamentário, que foi organizada e publicada pela Imaflora, realizei uma
palestra na qual abordei, entre outras, a questão da injustiça tributária no
Brasil. Abaixo, vou destacar alguns pontos básicos sobre essa questão, que é de
fundamental importância e muito pouco conhecida dos brasileiros.

Nesse contexto, é importante lembrar que há um
projeto de reforma tributária na Câmara dos Deputados que permanece
"adormecido", aliás, como ocorreu com todos os outros elaborados nos
últimos anos no Brasil. O debate em torno desse assunto no país acaba centrado
em grande parte no aspecto da diminuição dos impostos porque a carga tributária
é alta em relação aos serviços que o Estado oferece. Os que mais defendem a
diminuição dessa carga são os empresários, baseados no argumento de que pagando
muitos impostos seus negócios são dificultados. Fica praticamente excluída do
debate a maioria da população brasileira e, principalmente, sua camada mais
pobre - proporcionalmente a que paga mais impostos -, que não tem a menor ideia
de quanto eles pesam no seu bolso.

Estudos desenvolvidos pelo
Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) comprovam claramente tal
situação. Segundo um levantamento de 2008, pessoas cuja renda mensal familiar
alcançava até dois salários mínimos comprometiam 53,9% de seus ganhos com o
pagamento de tributos, enquanto que outras, com renda superior a 30 salários
mínimos, comprometiam apenas 29%.

Outro dado de destaque nesse
estudo do Ipea: um trabalhador que recebia até dois salários mínimos precisava
trabalhar 197 dias para pagar os tributos, enquanto outro que ganhava mais de
30 precisava de três meses a menos de trabalho, ou exatos 106 dias.
Essa situação ocorre porque cerca
de 50% da nossa carga tributária é indireta, isto é, incide sobre o consumo,
atingindo indiscriminadamente toda a população, independentemente da renda e da
riqueza de cada um. A cobrança da maioria dos tributos vem embutida no preço
final das mercadorias. Vejamos um exemplo significativo:

Um cidadão que ganha R$ 1 mil por
mês e coloca R$ 100 de gasolina no tanque do seu carro está pagando R$ 53 de
impostos. Enquanto outro que ganha R$ 30 mil e abastece o tanque pelo mesmo
valor também paga os mesmos R$ 53, levando isso à injustiça apontada.
Imposto sobre herança- Nos países
capitalistas desenvolvidos, ao contrário daqui, a maior parte da carga
tributária é direta e recai sobre a renda, a riqueza, a propriedade e a herança.
Esses critérios são mais justos do que os existentes no Brasil porque tributa
diretamente quem ganha mais e tem melhores condições de pagamento.

Segundo dados da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), nos Estados Unidos a renda é
responsável por 49% da carga tributária. Se comparado com o Brasil, que é de
19%, naquele país é 150% maior que a nossa. A média desse tributo nos países
pertencentes à OCDE é de 37%, quase 50% maior que a brasileira.

Sobre a propriedade, a carga
americana é 10%, cerca de três vezes maior que a brasileira, que é de 3%. Na
OCDE a média desse tributo é 6%, o dobro da nossa. Em relação ao consumo,
ocorre justamente o inverso. Enquanto na carga tributária brasileira esse tipo
de tributos representa em torno de 47%, na americana representam 16% e na OCDE
ela representa na média, 37% do total. Esses dados confirmam que nos países
desenvolvidos há muito mais justiça tributária que no Brasil.

Dois exemplos ilustram as
diferenças entre aqueles países e o Brasil. Na Inglaterra, por exemplo, o
imposto sobre a herança é cobrado há mais de 300 anos. Quando da morte da
princesa Diana, em 1997, os jornais noticiaram que o fisco inglês cobrou de sua
herança o imposto de US$ 15 milhões, metade dos US$ 30 milhões deixados para
seus filhos. Naquele país, a taxação é apoiada até mesmo pelos conservadores.
Segundo matéria da revista "Veja", publicada em setembro de 2007, o
primeiro-ministro inglês Winston Churchil, que conduziu a Inglaterra na luta
contra os nazistas, costumava dizer que o imposto sobre a herança era infalível
para evitar a proliferação de "ricos indolentes". Por outro lado, no
Brasil, o Imposto Territorial Rural - ITR arrecadado em todo o ano de 2007 e em
todo território nacional, foi menor do que dois meses de arrecadação do IPTU da
cidade de São Paulo. Esses dados falam por si.
Ao longo da história -Não há dúvida que esse é um tema delicado e
já causou ou foi pretexto para inúmeras revoluções. Dois exemplos são
significativos. A data nacional da independência americana, 4 de julho, faz
lembrar que uma das razões que foram amadurecendo para o início da guerra de
libertação foi a cobrança de impostos como o Sugar Act (1764), do Stamp Act
(1765) e o Tea Act (Lei do Chá, 1773). No Brasil, a Inconfidência Mineira, tentativa
de libertar o País de Portugal, que resultou no enforcamento do herói
Tiradentes e no desterro das lideranças envolvidas no movimento, teve como
motivo principal da revolta a "derrama", isto é, a cobrança de
impostos atrasados feita pelos colonizadores portugueses aos moradores de Minas
Gerais.

Diante dessa realidade, é
necessário e urgente abrir um espaço na mídia e na sociedade brasileira para
discutir a enorme injustiça que há entre nós e, consequentemente a necessidade
de aprovação de uma reforma em que os tributos diretos pesem mais que os
tributos indiretos na composição da carga tributária. Isso significaria uma das
formas mais importantes de redistribuir a renda entre nós.

Finalmente cabe uma pergunta: por
que no Brasil os banqueiros, grande empresários do agronegócio, das empresas
nacionais e multinacionais, não tomam a iniciativa que foi tomada pelos ricos
nos EUA e na Europa, isto é, propõem uma sobretaxa sobre seus ganhos?
Odilon Guedes é mestre em economia pela PUC/SP. Professor universitário
e membro do Conselho Regional de Economia-SP. Foi presidente do Sindicato dos
Economistas no Estado de São Paulo, vereador e subprefeito de São Paulo. Autor
do livro Orçamento Público e Cidadania.


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